O procedimento ético na prática psicanalítica.
Abordamos a ética e o desejo do analista, para o bom procedimento de escuta psicanalítica na práxis.
Rodrigo A Cunha
6/25/20253 min read


O Procedimento Ético na Prática Psicanalítica
Quando Sigmund Freud criou e desenvolveu a psicanálise como teoria e método clínico, também voltou sua atenção para a formação dos analistas, refletindo sobre as exigências éticas e subjetivas desse ofício. Após ele, diversos autores deram continuidade a sua obra, aprofundando e ampliando seus conceitos, sem abandonar os pilares fundamentais da teoria. Dentre esses autores, Jacques Lacan se destaca como o mais proeminente, especialmente por sua releitura do inconsciente estruturado como uma linguagem.
A prática psicanalítica se sustenta em três pilares fundamentais: o inconsciente, a associação livre e a transferência. No entanto, é importante ressaltar que, sem a ética, o psicanalista não estará em condições adequadas para acolher e escutar verdadeiramente o sujeito que se apresenta em sofrimento. A técnica só é efetiva se sustentada por um posicionamento ético sólido, que inclua responsabilidade, escuta sensível e o reconhecimento dos limites da atuação.
Não é apenas no setting analítico que o psicanalista deve estar presente: sua formação pessoal e contínua é essencial para garantir sua capacidade de conduzir o processo analítico com seriedade e compromisso. Esse preparo inclui o chamado tripé psicanalítico: análise pessoal, supervisão clínica e estudo teórico constante. É a partir desse percurso subjetivo que o analista pode estar à altura da tarefa de escutar, interpretar e acompanhar o analisando em seu processo de elaboração psíquica.
A ética na psicanálise está diretamente relacionada ao que Lacan conceituou como "o desejo do analista", que funciona como uma bússola clínica: ele não deseja no lugar do paciente, tampouco impõe sua vontade, mas permanece atento à direção do tratamento, evitando capturar o outro com suas próprias fantasias. Esse desejo ético implica responsabilidade, escuta flutuante e atenção à transferência, sem se deixar guiar pelo narcisismo ou pela busca de reconhecimento.
Além disso, o psicanalista deve estar em conformidade com os princípios éticos da instituição ou escola a que pertence, respeitando os direitos do analisando e mantendo o compromisso com o sigilo, a escuta responsável e os limites da técnica. Certas atitudes éticas pessoais, como maturidade emocional, disciplina e respeito ao sofrimento alheio, tornam o profissional mais capacitado a lidar com a delicada tarefa de acompanhar um sujeito em sua travessia psíquica.
A psicanálise, desde sua origem com Freud, tem atravessado diferentes épocas, sendo continuamente renovada por novas leituras e contribuições, sobretudo as de Lacan, que reconceituou o inconsciente como efeito da linguagem e revalorizou a escuta do sujeito. Novas escolas surgiram e ampliaram os conceitos freudianos, adaptando-os às transformações sociais, políticas e culturais que moldam a subjetividade em diferentes contextos históricos e geográficos.
Por ser uma prática independente de regulamentação estatal, a psicanálise não está vinculada a conselhos federais como outras profissões da saúde. Sua formação acontece em instituições e associações psicanalíticas, onde o sujeito-analista percorre um trajeto singular, vivencial e contínuo. Mais do que uma formação psicanalítica é um processo de transformação subjetiva. O conhecimento teórico é um dos pilares, mas a escuta clínica e o efeito da análise pessoal são fundamentais.
Contudo, a atuação do analista deve seguir normas éticas, muitas vezes formalizadas por códigos internos das associações ou inspiradas em códigos de ética profissional do país onde atua. Nem todo sujeito está em condições de ser analisado, e reconhecer isso é um ato ético. Cabe ao psicanalista avaliar, já nas entrevistas preliminares, se o encaminhamento a outro tipo de abordagem é necessário. Da mesma forma, prolongar um tratamento sem justificativa clínica, apenas visando lucro, fere os princípios da ética analítica.
O psicanalista também não pode se omitir em situações de emergência ou sofrimento agudo. Ele deve estar disponível, na medida do possível, para dar suporte ético ao seu paciente, respeitando os limites da técnica sem se ausentar do compromisso humano que sustenta a análise.
Por fim, é preciso lembrar que a psicanálise não é apenas uma profissão, mas uma forma de estar no mundo. É uma maneira de viver com os olhos voltados para a experiência humana, com suas dores, conflitos e complexidades. Não basta conhecer os conceitos; é necessário aplicá-los primeiramente em si mesmo, nos vínculos cotidianos, com juízo ético e responsabilidade afetiva. Viver como psicanalista é estar diante de um outro em sofrimento e, a partir disso, conduzir com ética, maturidade e escuta comprometida, uma travessia rumo à lucidez de sua própria verdade inconsciente.
