A Subjetividade Humana na Era das Mídias Sociais: Um Olhar Psicanalítico
Uma reflexão sobre o consumo e mídia sociais, e seu efeito na subjetividade humana nos dias atuais.
Rodrigo A Cunha
6/30/20013 min read


A Subjetividade Humana na Era das Mídias Sociais: Um Olhar Psicanalítico
A subjetividade, do ponto de vista psicanalítico, é uma construção histórica e simbólica, moldada pela linguagem, pelo desejo e pelas relações com o Outro. Com o avanço das tecnologias da informação e, mais recentemente, das redes sociais digitais, essa construção passou a ser profundamente influenciada por novas formas de exposição, consumo e reconhecimento.
Freud já alertava, em "O Mal-Estar na Civilização" (1930), sobre os efeitos do progresso técnico na vida psíquica do sujeito. A promessa de felicidade proporcionada pela cultura esbarra nos limites da pulsão e nos mecanismos de repressão impostos pela sociedade.
Para Freud, o ser humano é dividido entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. As redes sociais, ao estimular gratificações imediatas (likes, compartilhamentos, visualizações), reforçam o princípio do prazer, o que pode fragilizar os recursos do ego para lidar com a frustração e o vazio existencial.
A cultura digital fortalece o narcisismo, como já apontado por autores como Christopher Lasch, em "A Cultura do Narcisismo" (1979). A imagem nas redes se torna o eixo de identidade. A necessidade de exposição, idealização e performance constante passa a ser um imperativo psíquico. É o que Freud chamaria de “narcisismo secundário” hiperestimulado: o ego se volta ao exterior, em busca da confirmação da própria imagem através do olhar do Outro.
Segundo Lacan, o sujeito se constitui no campo do Outro e na relação com a imagem (estádio do espelho). No contexto das redes, esse espelho é distorcido e idealizado. A subjetividade torna-se refém da métrica: quantos curtiram? quantos seguidores tenho? quem me validou?
Lacan nos lembra: o desejo é o desejo do Outro. A publicidade digital compreendeu isso perfeitamente. Os algoritmos são construídos para acionar gatilhos emocionais, muitas vezes inconscientes, vinculando produtos à promessa de completude, amor, sucesso e pertencimento.
Autores contemporâneos como Dany-Robert Dufour, em "A Arte de Reduzir Cabeças", apontam como o capitalismo atual se apropria do desejo, promovendo uma “infantilização” do sujeito para torná-lo mais manipulável. Isso se expressa nas redes sociais por meio do culto à vida perfeita e do consumo como via de realização subjetiva.
O sujeito moderno, descrito por Freud, lia jornais impressos, tinha tempo para elaborar. Hoje, vivemos a lógica do "scroll" e do "consumo instantâneo de conteúdos". Segundo Byung-Chul Han, em "Sociedade da Transparência", vivemos numa era em que tudo deve ser visível, rápido, positivo — eliminando o negativo, o contraditório, o sintomático.
A informação perdeu espessura. Substitui-se o saber pela opinião, o conteúdo pela performance, o pensamento pela reação emocional rápida. Isso empobrece o espaço psíquico e impede a elaboração subjetiva.
Christian Dunker, psicanalista e professor da USP, alerta para o uso das redes como espaços de "autorretratos ideológicos", em que o sujeito constrói uma persona idealizada e ansiosa por reconhecimento. Em seu livro "Reinvenção da Intimidade", ele aponta como a lógica da exposição afetou até mesmo o modo como amamos, desejamos e sofremos.
Joel Birman, por sua vez, investiga as novas formas de sofrimento psíquico na pós-modernidade, como os transtornos narcisistas, depressivos e borderline — todos altamente atravessados pela cultura de performance e exposição social.
A psicanálise nos convida a resistir à captura total do desejo pelo mercado. Em meio ao ruído das redes, há que se escutar o silêncio do sujeito, sua falta estruturante, aquilo que escapa à imagem.
Mais do que negar as mídias sociais, é necessário compreendê-las como parte do cenário contemporâneo — mas sem que a subjetividade se dissolva nelas. O desafio é recuperar um espaço de escuta, de elaboração, de desejo não capturado.
Freud, S. – O Mal-Estar na Civilização
Lacan, J. – O Estádio do Espelho como Formador do Eu
Lasch, C. – A Cultura do Narcisismo
Byung-Chul Han – Sociedade do Cansaço, Sociedade da Transparência
Christian Dunker – Reinvenção da Intimidade
Joel Birman – Mal-Estar na Atualidade
Dany-Robert Dufour – A Arte de Reduzir Cabeças
